Crítica: The Mandalorian 3ª temporada

Assim como O Livro de Boba Fett, The Mandalorian ganhou uma temporada sem coesão “sequestrada” por outro personagem

3/5
Oz
Data de publicação.
23/04/2023
15 min
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Opinião
Contém Spoiler

A terceira temporada de Mandaloriano (The Mandalorian, 2019-2023) chegou ao fim com seus 8 episódios e dividiu o fandom de Star Wars.

Antes de prosseguir com a análise da 3ª temporada, é preciso mencionar um acontecimento importante da “temporada 2 e meio” de The Mandalorian. É isso mesmo o que você leu.

Precisamos falar sobre a temporada 2 e meio e o retorno de Grogu.

É importante relembrar que o sucesso das duas primeiras temporadas da série The Mandalorian foi tão grande que conseguiu renovar as esperanças da legião de fãs até então amargurada de Star Wars, que há muito sofria com o acúmulo de fracassos da Disney no tocante ao gerenciamento desta incrível franquia.

São muitos os exemplos dos projetos fracassados sob o guarda-chuva da Disney: Star Wars: O Despertar da Força, Star Wars: Os Últimos Jedi, Star Wars: A Ascensão Skywalker, Han Solo, O Livro de Boba Fett, Obi-Wan Kenobi…

Isso sem mencionar na frustração de ver vários projetos anunciados e cancelados e vários diretores contratados e demitidos antes que qualquer produção pudesse ver a luz do dia.

A 2ª temporada da série terminou com Din Djarin cumprindo sua missão (iniciada na primeira temporada), ao entregar Grogu aos cuidados do mestre jedi Luke Skywalker. Dessa forma, Grogu poderia dar continuidade a seu treinamento nos caminhos da força. A despedida dos personagens ao final desse arco dramático foi tão intensa que fez com que Din Djarin retirasse seu capacete por vontade própria para dar adeus ao enjeitado que tanto amou e protegeu. Perfeito.

Tudo parecia bem após o final da 2ª temporada de The Mandalorian. Era possível ver uma luz no fim do túnel. Os fãs mais xiitas estavam saindo de suas cavernas com o coração repleto de esperança.

Então veio o anúncio do spin-off O Livro de Boba Fett (The Book of Boba Fett, 2021). Não tinha como errar, não é mesmo?

Não é mesmo?

Após o final da série protagonizada por Temuera Morrison, os fãs sentiram uma grande perturbação na força.

Em O Livro de Boba Fett, tudo o que foi construído nas temporadas anteriores de The Mandalorian foi simplesmente ignorado. Isso porque após uma sucessão de ideias ruins porcamente executadas, Mando e Grogu acabaram tomando a série de Boba Fett assim como Boba Fett tomou o controle de Tattoine de Bib Fortuna.

No meio desses episódios “sequestrados”, Grogu acaba retornando aos cuidados de Din Djarin. Com isso, quem não assistiu O Livro de Boba Fett ficou perdido com o retorno do jovem enjeitado já no começo da 3ª temporada de The Mandalorian.

A pergunta que devemos fazer é por que?

Grogu não acrescentou absolutamente nada no plot da 3ª temporada. Se analisarmos com frieza, sua ausência não seria sentida de forma alguma, podendo ser facilmente contornada com uma ou duas linhas de texto nos roteiros.

Rumores indicam que essa decisão não partiu de Jon Favreau, showrunner e roteirista da série, mas sim de Kathleen Kennedy, atual presidente da Lucas Film. Aparentemente Grogu retornaria apenas no final da 3ª temporada, o que faria muito mais sentido.

Independentemente da veracidade dos rumores, é visível que essa decisão partiu de uma perspectiva puramente comercial. Um grande erro refletido nos episódios da série. A falta de utilidade de Grogu resultou em um downgrade inexplicável em Din Djarin, que se tornou menos eficiente e mais indefeso para que Grogu pudesse salvá-lo ao menos 4 vezes durante a temporada.

Din Djarin estava tão aquém de suas capacidades que precisou ser salvo em outras 3 ocasiões por Bo-Katan Kryze.

Falando em Bo-Katan Kryze…

Como explicar a falta de coesão da história contada na 3ª temporada?

No decorrer das duas primeiras temporadas, várias inserções cirúrgicas foram realizadas com o intuito de plantar sementes para possíveis spin-offs. Esse seria o caso de Ahsoka Tano (Ahsoka), Cara Dune (Rangers of the New Republic e Cara Dune, séries posteriormente canceladas após a demissão de Gina Carano) e Boba Fett (O Livro de Boba Fett).

Esse poderia muito bem ter sido o destino de Bo-Katan Kryze e a reconquista de Mandalore. Ao invés disso, tivemos uma temporada sequestrada, assim como foi o caso de O Livro de Boba Fett.

Como resquício do capítulo anterior, o plot (inicial) da 3º temporada tem como MacGuffin a busca de Din Djarin pelas águas vivas de Mandalore. Somente ao se banhar em tais águas é que o personagem poderia se redimir de suas transgressões, de acordo com sua doutrina mandaloriana.

Todo esse plot é resolvido ao final do segundo episódio com a ajuda de Bo-Katan Kryze, que a partir daí sequestra a temporada inserindo um novo plot, um novo MacGuffin e um novo protagonista.

Os próximos seis episódios serão focados em sua personagem, que ganha o respeito e a confiança da facção de Din Djarin, parte em busca de outros mandalorianos, toma posse do sabre negro e em seguida comanda o movimento de reconquista de Mandalore.

Com isso o personagem de Din Djarin se torna um coadjuvante em sua própria série, sem um objetivo próprio, uma jornada pessoal e sem um arco de personagem definido.

Além de não se conectar organicamente com a história, a reconquista de Mandalore merecia mais tempo de tela e recursos, uma vez que foi contada apressadamente e de forma simplória. Um evento de tamanha magnitude deveria, ao meu ver, ser grandioso. Merecia ao menos uma minissérie.

Existem outros fatores que contribuíram com a falta de coesão da história: subplots inúteis, cameos desnecessários e episódios fillers.

Dr. Penn Pershing e o subplot do programa de anistia da Nova República não levou a lugar algum. Aliás, os mandalorianos eliminaram os piratas que aterrorizaram Nevarro para ganhar um pedaço de terra e se estabelecer no planeta, mas isso, assim como vários outros subplots, foi deixado de lado.

As participações de Lizzo, Jack Black e Christopher Lloyd geraram um dos episódios mais enfadonhos e desconexos do universo Star Wars, apesar de possuir bons momentos com os ugnaughts e o bar Resistor.

O quarto episódio inteiro é focado no resgate do filho de Paz Vizsla, por exemplo. Um episódio filler criado com o objetivo de fortalecer a posição de Bo-Katan Kryze na facção de Din Djarin.

O tempo perdido com os fillers e com os subplots inúteis poderia ser melhor aproveitado na conclusão da temporada. Na reconquista de Mandalore.

Não me leve a mal, eu gosto do quarto episódio, que tem a cara dos episódios procedurais das duas primeiras temporadas. O fato é que a reconquista de Mandalore foi espremida na história, tornando o episódio descartável.

Moff Gideon retorna como o grande vilão.

Dessa vez com uma armadura Dark Trooper de beskar.

Seu plano com o DNA de Grogu é revelado: criar um exército de Moff Gideons que pode manipular a força e que utilizaria, assim como ele, armaduras Dark Trooper de beskar.

Uma pergunta permanece sem resposta: por que seus clones tinham a mesma idade do original? Nunca saberemos.

Além disso, o Conselho das Sombras fala brevemente sobre o “Projeto Necromante”, um projeto que visa criar uma nova liderança para os remanescentes do império. Em seguida, Comandante Hux, um dos presentes na reunião, faz um link entre o projeto e as pesquisas do Dr. Penn Pershing. Fica implícito que o projeto é uma menção a Snoke, personagem esdrúxulo criado para a malfadada trilogia posterior.

Primeiramente é preciso deixar bem claro que clones e midiclorians nunca foram fonte de boas histórias no universo Star Wars.

Dito isso, tudo o que envolve Moff Gideon para mim não funcionou. A atuação de Giancarlo Esposito é absurdamente caricata. Sua armadura e seus clones soaram para mim como lazy writing.

O perigo do Império sempre foi baseado em superioridade numérica e tecnológica. É claro que personagens super poderosos existiram ao longo das produções, mas eles eram, em sua grande maioria, Jedis ou Siths. Gideon se tornou invencível, mesmo sem o despertar dos clones.

The Mandalorian cometeu com isso os mesmos erros da trilogia posterior, onde tudo tem que ser maior e mais grandioso do que o que foi feito antes.

Chegamos ao Climax anticlimático.

Condensado nos dois últimos episódios, o climax da temporada foi dirigido por Rick Famuyiwa e roteirizado por Jon Favreau (sétimo e oitavo episódio) e Dave Filone (sétimo episódio). Apesar do sucesso obtido por ambos no passado, seu trabalho conduzindo o desfecho da temporada é apressado, mal coreografado e mal roteirizado.

Eu vejo os mandalorianos como espartanos espaciais.

Quando estão em combate, não somos agraciados com nenhuma técnica militar ou formação de combate específica da cultura mandaloriana. Não é de se esperar que um grupo razoavelmente grande de mandalorianos deveria naturalmente estar organizado em unidades de combate como as Centúrias romanas e usando suas armaduras de beskar da mesma forma que os romanos faziam com seus escudos e suas formações Tartaruga e Fulco, por exemplo? Não foi o caso.

Faltou violência, faltou sangue. Essa batalha deveria ter sido particularmente cruel e visceral.

Assim como O Livro de Boba Fett, The Mandalorian sofreu muito com a diluição da violência para se adequar ao perfil “produção Disney para toda a família”.

O sabre negro é destruído e isso não tem importância, o que é um grande foda-@#%$e para toda a história de Bo-Katan Kryze (aparentemente essa foi mais uma das ideias empurradas goela abaixo por Kathleen Kennedy).

Moff Gideon supostamente morre após Axe Woves lançar uma nave gigantesca em direção a base. Seu corpo, porém, não está lá ao término da explosão (que por sinal deveria ter destruído totalmente o local, mas resumiu-se a algumas chamas).

Sabemos que em Star Wars, se não há corpo, não há morte. Precisamos mesmo de mais um retorno de Moff Gideon? Sofro por antecedência.

Após a reconquista de Mandalore, Din Djarin ganha uma cabana de Greef Karga no planeta Nevarro e parte para viver outras aventuras. Mais um grande foda-@#%$e, dessa vez para toda a mitologia mandaloriana. Como assim um mandaloriano auxilia na reconquista de seu planeta “original” e não ajuda a recolonizá-lo? Como pudemos constatar no decorrer de três temporadas, mandalorianos não dão em árvore.

Apesar de todos esses defeitos, a temporada possui suas qualidades, geralmente relacionadas a maquiagem, aos efeitos especiais e ao design de produção. Apesar de gostar muito da estética de Star Wars, essa “textura” meio que se tornou o feijão com arroz que qualquer produção ambientada nesse universo deve possuir. Existe um velho provérbio que descreve muito bem meu pensamento sobre isso: “Beleza não põe a mesa”.

A 3ª temporada de The Mandalorian deveria ter sido apenas isso: uma temporada de The Mandalorian.

Vocabulário
É uma breve aparição ou dublagem de uma pessoa conhecida em uma obra, geralmente audiovisual.
Por definição, upgrade é a palavra em inglês que significa “melhorar” ou “subir de nível”; já downgrade significa justamente o oposto, como “piorar” ou “descer de nível”.
Fandom é o diminutivo da expressão em inglês fan kingdom, que significa “reino dos fãs”, na tradução literal para o português. Um fandom é um grupo de pessoas que são fãs de determinada coisa em comum, como um seriado de televisão, uma música, artista, filme, livro e etc.
Filler é um termo é usado para se referir a episódios de uma série ou de um anime que não faz parte da história original e geralmente é usado para que a série seja prolongada ou para que não existam pausas na história.
Literalmente “Escrita preguiçosa”, significa que o escritor não colocou muito esforço criativo com o intuito de resolver alguma situação apresentada na história, geralmente optando pela solução mais óbvia.
Termo inicialmente utilizado pelo cineastra Alfred Hitchcock para definir o fator que motiva o protagonista (ou antagonista) e pelo qual ele sacrificaria qualquer coisa para perseguir, proteger ou controlar.
Plot significa enredo ou trama da história, apresentando começo, meio e fim, dentro de um filme, livro, série, HQ, teatro, etc. Um plot é o eixo central da história e pode ser definido como os conflitos que os personagens vivenciam durante a história, de acordo com as suas escolhas e desejos.
Showrunner é o responsável pela condução de uma série. O showrunner é responsável por todos os aspectos inerentes a uma produção televisiva, incluindo a escolha de diretor, elenco, roteirista, etc. Suas escolhas dão coerência e ditam o tom da produção. Ao contrário do cinema, onde o diretor é a pessoa quem manda, na TV é o showrunner que tem todo o poder de decisão criativa e gerencial.
Refere-se a algo que foi derivado de outra coisa anterior àquela. Na mídia o termo é utilizado para indicar uma franquia criada a partir de uma outra, geralmente de grande sucesso, ou ainda, títulos da mesma franquia, mas com histórias ou até personagens diferentes, tendo relação parcial ou nula um com o outro. Better Call Saul é um Spin-Off de Breaking Bad. Outro exemplo de Spin-Off é House of The Dragon, série derivada de Game of Thrones.
É uma trama secundária, que ocorre independentemente da trama principal da história.
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03/01/2024