Sense8 é a mais nova série da Netflix e que possui o selo dqs irmãs Wachowski. Roteirizando e dirigindo, Lana e Lilly Wachowski (Matrix, Cloud Atlas, Jupiter Ascending) não fogem muito do que sabem fazer bem que é a boa e velha ficção científica, mas surpreendem.
Na trama nós acompanhamos 8 personagens: Capheus (Aml Ameen), Sun (Doona Bae), Nomi (Jamie), Kala (Tina Desai), Riley (Tuppence Middleton), Lito (Miguel Ángel Silvestre), Wolfgang (Max Riemelt) e Will (Brian J. Smith).
Espalhados pelo mundo e sem nenhuma conexão aparente, os personagens passam a sentir um ao outro em um nível mental profundo após a visão da morte de uma mulher misteriosa e aos poucos vão se aprofundando na trama através da presença enigmática de Jonas (Naveen Andrews), conhecido do grande público por sua atuação como o Sayid da série Lost.
A heterogeneidade do grupo é um fator interessante na obra e confere uma sensação de veracidade.
Mostrada de forma dinâmica, a conexão entre os personagens é divertida e emocionante, geralmente ocorrendo quando seus estados de espírito estão em sintonia. Eles conversam, e essa conversa ocorre nas duas vias: o queniano Capheus aparece “ao lado” da coreana Sun em Seul quando ela precisa de conselho e ela aparece em Nairobi “ao lado” de Capheus quando ele precisa se defender de bandidos. Sim, um pode assumir temporariamente as ações do outro quando necessário e esses são os momentos mais legais da série.
É particularmente divertido descobrir como as habilidades de cada personagem podem ajudar (ou atrapalhar) a vida dos companheiros sensates.
Cada personagem, porém, possui seu drama pessoal e eles são conduzidos sutilmente pelos diretores.
Lito, um ator gay e Nomi, uma hacker transexual trazem ao publico assuntos muito atuais relacionados ao universo LGBT e dilemas realmente profundos. A sensibilidade com que os Wachowski conduzem os relacionamentos dos personagens com seus parceiros é visível. Existe ali o amor verdadeiro, não apenas atração física como normalmente os relacionamentos homossexuais são retratados na telona.
Quem nunca conheceu um amigo (a) ou tem um familiar que hesita em assumir sua homossexualidade por medo de sofrer preconceito? Lito luta entre sua profissão e seu amor por Hernando (Alfonso Herrera). Nomi sofre a negação de sua mãe que ainda a chama por seu nome de nascimento, não aceitando sua identidade de gênero. Sua parceira Amanita (Freema Agyeman) não existe de acordo com a lei e decisões médicas importantes são tomadas por familiares.
O homossexualismo já havia sido representado na obra dos Wachowski em Cloud Atlas, porém de forma bem menos corajosa.
Essa temática faz parte inclusive da vida dos diretores da série. Lana (nascida Larry), também transexual, teve seu próprio drama pessoal durante o processo de aceitação de sua identidade de gênero ao ponto de quase cometer suicídio em uma plataforma de metro quando ainda era jovem. Em um discurso durante um evento beneficente da Human Rights Campaign, em São Francisco, Lana fala ainda sobre um incidente no qual ela apanhou de uma freira por não ter entrado na fila dos meninos.
Mas não se engane, o sexo está muito presente em Sense8. Em alguns momentos, a série é demasiadamente explícita. Nú frontal masculino e coroação (a fase do parto em que a cabeça do bebê atravessa a vagina) são comuns na série à partir do 5º episódio. Há inclusive uma cena em que os personagens se conectam durante o ato sexual, o que resulta em uma espécie de orgia sensate. Apesar de chocar, diante da narrativa adotada pelos criadores a cena faz sentido pois essa é a dinâmica da conexão entre os personagens que vem sendo apresentada gradativamente ao longo dos episódios.
Acredito ainda que a intenção dessa cena em particular vai muito mais além do que simplesmente chocar a audiência. Há um outro momento muito engraçado no 12º episódio e que faz referência a essa cena em que Will precisa encontrar Riley e Lito aparece. Will pergunta a ele “Eu conheço você?” no que Lito responde “Sim, nós transamos.”. Will é um homem heterossexual e ainda assim pôde sentir as emoções de Lito no momento do ato sexual.
Essa cena levanta várias questões profundas a respeito da condição humana, afinal, se pudéssemos nos conectar intimamente entre si, o que aconteceria com nossa espécie?
O impacto seria avassalador. O preconceito e a mentira deixariam de existir. Seríamos seres mais tolerantes, melhores. O próprio conceito de sociedade seria derrubado, abrindo espaço para uma única e coesa civilização livre de qualquer barreira.
Como sempre, os irmãos Wachowski enchem suas obras de temas complexos que vão fazer o público ficar de cabeça quente. Se você assistiu a trilogia Matrix, Cloud Atlas e Jupiter Ascending e não se fez vários questionamentos com certeza está perdendo o melhor destas produções cinematográficas.
O tema família também é forte e recorrente na trama. Wolfgang e Felix (Max Mauff) possuem um laço de amizade que supera as relações conturbadas de Wolfgang com sua família. Os pais de Kala e Riley são bondosos e carinhosos enquanto a família de Sun é fria e cruel. Lito e Hernando criam um laço afetivo com Daniela (Eréndira Ibarra). Essa lealdade que existe entre familiares ou entre os familiares que escolhemos comove.
Os acontecimentos da série são recheados de “clima” e não passam despercebidos. As músicas marcantes, ora intermitentes e desesperadoras, ora lentas e aconchegantes, os efeitos sonoros que fazem a marcação dos acontecimentos, as tomadas lentas, os closes e as pausas dramáticas funcionam. Esse “clima” é definitivamente uma característica marcante da série.
Vale lembrar também que a experiência de James McTeigue (Ninja Assassino), Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra) e Dan Glass (especialista em efeitos visuais) na direção ajuda.
Apesar de ousarem sempre em suas obras, os diretores de Matrix jogam seguro quando o assunto é a sua equipe. McTeigue, Tykwer e Glass já haviam trabalhado com os irmãos em outras produções bem como as atrizes Doona Bae e Tuppence Middleton.
A 1ª temporada de Sense8 tem açã, suspense e humor ao mesmo tempo em que toca questões sérias e tem muito sentimento. As emoções são a tônica desta obra televisiva e não poderia ser diferente, pois são essas emoções que fazem a conexão entre os personagens ser tão poderosa.
Enquanto no cinema os diretores reciclam material, Sense8 é um conteúdo novo, diferente e agradável e que será com certeza um legado digno dos irmãos Wachowski.