Crítica: The Flash

Nostalgia não consegue sustentar o peso de um longa tecnicamente e estruturalmente ruim

2/5
Oz
Data de publicação.
28/10/2023
10 min

The Flash é um filme estrelado por Ezra Miller (Animais Fantásticos e Onde Habitam) e dirigido por Andy Muschietti (It: A Coisa), baseado no personagem Flash de propriedade da DC Comics e criado por Gardner Fox e Harry Lampert.

O longa, roteirizado por Christina Hodson (Bumblebee), possui 2h e 24 minutos de duração e faz parte do antigo DCU (Universo cinematográfico da DC), que está sendo reestruturado sob a tutela de James Gunn e Peter Safran.

Após descobrir que consegue utilizar sua super velocidade para viajar no tempo, Barry Allen decide voltar ao passado para alterar uma pequena variável, impedindo assim que sua mãe fosse assassinada e seu pai incriminado.

O enredo do filme é relativamente simples. Complica quando o conceito de viagem no tempo começa a contradizer suas próprias regras.

Em 2017, Liga da Justiça (Justice League) surgia nos cinemas com a missão de unir os principais heróis da DC através da criação de um super grupo, mesmo sem antes estabelecer apropriadamente vários destes heróis, como o Flash, o Cyborg, o Aquaman e o Batman.

Tudo isso porque a DC estava correndo contra o tempo, tentando alcançar o sucesso que a Marvel obteve com a criação do MCU ao longo de 11 anos, desde Homem de Ferro (Iron Man, 2008) até Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, 2019).

A criação do DCU sem uma base sólida, de forma apressada e pelos motivos errados, não obteve êxito, pelo contrário, queimou a largada e foi o causador de uma sucessão de projetos medíocres focados em uma visão desconstruída de heróis que não haviam sido construídos para começo de conversa. Watchmen e Cavaleiro das Trevas só foi possível graças à era de ouro dos quadrinhos.

Essa era uma lição que teoricamente havia sido aprendida, afinal, James Gunn e Peter Safran estão aí para limpar essa bagunça.

The Flash, porém, não aprendeu com os erros do passado.

Com uma Marvel cada vez mais imersa no multiverso com obras como: Loki (2021), Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022) e What If…? (2021), popularizando esse conceito no mainstream da cultura pop (na esteira do que vinha sendo feito com Rick & Morty desde 2013), o antigo DCU não se conteve e tentou, mais uma vez, abocanhar um pedaço de um bolo que não era dele.

E assim nasceu o multiverso do DCU, mal fundamentado, contraditório, confuso, mal executado e inconcluso.

Antes de adentrar esse campo minado, abordando as tecnicalidades da viagem temporal/multiverso estabelecida pela DC, gostaria de falar sobre um efeito colateral causado por ela: a nostalgia.

Aqui, a Marvel também chegou primeiro.

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (Spider-Man: No Way Home, 2021) e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura conseguiram utilizar esse recurso de forma mais ou menos eficiente, trazendo tanto personagens do passado quanto personagens cujo casting foi realizado pelos fãs, como Reed Richards, interpretado por John Krasinski (The Office).

O filme de Muschietti elevou a nostalgia à enésima potência, mas nesse caso, quantidade não é qualidade. Confira a lista de cameos em The Flash:

  1. Alfred Pennyworth (Jeremy Irons)
  2. Aquaman (Jason Momoa)
  3. Batman (Adam West)
  4. Batman (George Clooney)
  5. Batman (Michael Keaton)
  6. Cara da Pizza (Nikolaj Coster-Waldau)
  7. Cara do Hot Dog (Andy Muschietti)
  8. Faora-Ul (Antje Traue)
  9. Flash da era de ouro/Jay Garrick (Teddy Sears)
  10. Dark Flash (Ezra Miller)
  11. General Zod (Michael Shannon)
  12. Mulher Maravilha (Gal Gadot)
  13. Nam-Ek, o kryptoniano gigante
  14. Super Homem (Christopher Reeve)
  15. Super Homem (Henry Cavill)
  16. Super Homem (Nicolas Cage)
  17. Super Homem (George Reeves)
  18. Supergirl (Helen Slater)
  19. Supergirl (Sasha Calle)
  20. Thomas Curry (Temuera Morrison)

Quando a nostalgia deixa de ser fan service e se torna uma muleta?

Mudando de assunto.

A execução do longa também sofreu em diversos aspectos técnicos, principalmente no que diz respeito ao CGI. Minha imersão foi quebrada logo na primeira cena do filme, com um relógio em CGI mal renderizado. Em seguida salta na tela um uniforme em CGI borrachudo, sendo substituído por bebês, cachorros e burritos borrachudos. O ápice dessa desgraça toda foi a cronosfera, local onde Flash consegue ver e acessar outros pontos no tempo, e, posteriormente, ver outras realidades. Todas as cenas na cronosfera foram feitas quase inteiramente em CGI, o que é o equivalente a dizer que elas falharam miseravelmente em seu intento.

Além disso, estamos falando do DCU não é mesmo? Então não poderia faltar um vilão em CGI, naquele padrão grandão borrachudo com pele enrugada ou armadura espinhada. Quem aí lembra do Steppenwolf, do Apocalipse, do Ares ou do Darkseid? Pois é, adicionemos mais um para a lista: o Dark Flash.

Retornando à cena dos bebês borrachudos voadores, gostaria de destacar a trilha sonora orquestrada, que pareceu desconexa, assíncrona, como algo retirado de um filme de aventura dos anos 80.

Sobre os atores, dois pontos me saltaram aos olhos: Ian Loh e Ezra Miller não estão interpretando a mesma pessoa. Há quem argumente que isso é devido ao trauma da morte da mãe e da perda do pai ainda jovem, e faz sentido. Mas Miller interpreta um Barry Allen quase autista, o que não é o caso.

Além disso, a química entre Barry Allen (Ezra Miller) e Iris West (Kiersey Clemons) não existiu de forma alguma, e nesse caso a culpa pode ser atribuída ao casting e ao roteiro de Hodson, que não soube demostrar o sentimento latente entre os dois personagens.

Ok. Viagem no tempo.

Barry Allen (que chamaremos de Barry original) volta ao passado e o altera. Quando está perto de retornar ao presente é retirado da cronosfera pelo Dark Flash (isso fica para depois). Ele então descobre que foi parar na época em que Zod invade a Terra, que coincide com a época em que ele ganha seus poderes.

Porém, sua versão mais nova (que chamaremos de jovem Barry) tem um encontro com Iris West no mesmo dia da explosão que o transformou em Flash, ou seja, se o jovem Barry não estiver no local da explosão, não ganhará seus poderes, o que significa que ele perderá seus poderes e não poderá retornar ao presente.

Essa “regra” estipulada é semelhante às regras de filmes ao estilo de De Volta para o Futuro (Back to the Future, 1985), e é corroborada com a morte do Dark Flash, que mata o jovem Barry e morre em decorrência disso.

Se o que acontece com o jovem Barry o influencia, como o Barry original não morreu juntamente com o Dark Flash? Hodson não respeitou as próprias regras que estabeleceu, e essa é uma armadilha que muitos roteiristas caem quando tentam brincar com viagem no tempo.

Bruce Wayne nos apresenta a outra regra.

Nela, quando alteramos o passado, o tempo não se bifurca, ele cria outra timeline completamente diferente unida apenas naquele ponto. Ou seja, a alteração do tempo cria um novo futuro, que por sua vez cria um novo passado, de forma retrocausal. Bruce Wayne explica que o tempo não é linear, ou seja, com a criação da nova timeline, as pessoas eventualmente tomarão outras decisões, o que altera também o passado.

Essa á uma pílula um pouco difícil de engolir pois tendemos a imaginar as duas timelines partindo de um mesmo passado.

Assumindo que essa regra é lei, cada vez que os Flashs retornam ao passado no terceiro ato do filme, uma nova realidade deveria se apresentar a eles, com novos futuros e, principalmente, novos passados, incluindo passados em que eles não possuem poderes ou mesmo não existem. Afinal, se cada timeline possui seu próprio passado então é muito conveniente que agora nada se altera mesmo após múltiplas viagens no tempo.

Ok, temos ainda a 3ª regra: o paradoxo infinito. Quando o jovem Barry retorna no tempo múltiplas vezes, tornando-se o Dark Flash, descobrimos que ele foi quem empurrou o Barry original da cronosfera para começo de conversa. Assim o Barry original iria transformar o jovem Barry em Flash e ele posteriormente iria se transformar no Dark Flash.

Essa á outra pílula difícil de engolir, afinal, se o Barry original tivesse conseguido retornar ao seu presente, o Dark Flash nunca teria existido. Porém, se Barry original tivesse “caído” sozinho da cronosfera e isso tivesse gerado o Dark Flash, faria sentido o Dark Flash tentar ataca-lo para mata-lo posteriormente na cronosfera (pois essa passa a ser sua intenção ao final do filme).

Outra regra estabelecida sobre os poderes do Flash são os raios que emanam de seu corpo, que durante a batalha passam a ser utilizados para atacar os alienígenas kryptonianos, porém, quando Barry Allen está utilizando sua super velocidade vários desses raios atingem objetos e civis e nenhum dano é causado. Outra regra quebrada.

O humor do filme é outro ponto negativo, acertando em pouquíssimos momentos. Esse não seria um problema tão grande, se não fosse o fato de o Flash ser aquele tipo de personagem supostamente “engraçadão”.

The Flash é um filme que não possui pernas para se sustentar, por isso o investimento pesado em nostalgia, uma mera bengala que tenta manter de pé um filme que deveria se sustentar por conta própria.

Vocabulário
É uma breve aparição ou dublagem de uma pessoa conhecida em uma obra, geralmente audiovisual.
CGI é uma sigla em inglês para o termo Computer Graphic Imagery, ou seja, imagens geradas por computador. É a famosa computação gráfica. O termo se refere às imagens, geradas em computadores, que têm três dimensões e profundidade de campo.
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26/01/2024