Baseado no personagem homônimo da Marvel Comics, Pantera Negra: Wakanda para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, 2022) é o segundo filme solo do super-herói desenvolvido pela Marvel Studios.
Dirigido por Ryan Coogler e protagonizado por Letitia Wright, PNWPS teve, logo de cara, que lidar com um desfalque devastador: a morte de Chadwick Boseman aos 43 anos devido a um câncer de cólon.
O ator, falecido em 28 de agosto de 2022, ficou conhecido pelo público do MCU como o carismático T’Challa, protagonista do primeiro filme da franquia: Pantera Negra (Black Panther, 2018). Chadwick Boseman foi uma presença marcante no universo cinematográfico da Marvel.
Sua ausência foi sentida.
O filme começa com T’Challa à beira da morte devido a uma doença não mencionada. Shuri, sua irmã, tenta sintetizar a Erva Coração (erva que cresce em solo rico em Vibranium e que dá ao Pantera Negra seus poderes super-humanos) para salvá-lo, sem sucesso.
No primeiro filme, todas as ervas haviam sido destruídas por Erik Killmonger.
Eu me pergunto: Como podemos acreditar que uma nação altamente tecnológica como Wakanda não teria estudado a exaustão cada grama do solo e cada fibra da planta que dá a seu grande herói e rei poderes super-humanos? Em nossa realidade atual, já estamos preocupados o suficiente com o futuro do planeta ao ponto de armazenarmos milhares de sementes em bunkers como o Silo Global de Sementes de Svalbard (silo construído em 2008 no arquipélago Ártico de Svalbard, a cerca de 1300 km ao sul do Polo Norte) como prevenção. Existem outros tantos bancos genéticos espalhados pelo planeta.
Minha suspensão de descrença grita.
Ok, sigamos em frente.
O logo da Marvel mostra imagens de Boseman em total silêncio, uma abertura digna que honra o legado deixado pelo ator. Vale ressaltar.
Wakanda está sendo assediada, tanto de forma legal como ilegal, por outras nações, que buscam acessar seu raríssimo Vibranium. Nessa corrida por recursos, um navio com agentes da CIA e dos Seals tenta localizar Vibranium no Oceano Atlântico graças a um detector que posteriormente descobriremos ter sido roubado de uma estudante.
Namor e os talokanos surgem do oceano e eliminam todos os membros da tripulação do navio, além de tomarem o detector de Vibranium que estava no fundo do mar.
Quando Ramonda tenta fazer Shuri processar o luto pela morte de T’Challa, ela responde: “Eu não vou fazer isso, mãe. Se eu me sentar e pensar no meu irmão por muito tempo, não vão ser essas roupas que eu vou queimar. Vai ser o mundo e todos que estiverem nele.”
Ora, T’Challa não foi assassinado por ninguém, qual é a origem dessa raiva repentina mal direcionada? Esse é um excelente exemplo de lazy writing. Tudo isso para linkar esse sentimento construído de forma artificial com, spoiler alert, a posterior morte de Ramonda, alimentando ainda mais esse sentimento de vingança dentro de Shuri, porém redirecionado.
Antecipando essa parte do filme, Ramonda morre com o único intuito de fazer Shuri querer se vingar de Namor. Desnecessário.
Se um rei invade seu país sem ser detectado, mata centenas de seus cidadãos e ameaça toda sua nação de extermínio, isso não seria motivo suficiente para você querer vingança? A morte de Ramonda tira grande parte da importância da morte de T’Challa, que é relegada a um papel secundário ou terciário na trama.
Mas me adianto. Peço desculpas. Namor aparece para Ramonda e Shuri e diz que as nações da superfície estão procurando Vibranium em seus domínios graças ao fato de T’Challa ter aberto Wakanda para o mundo. E que elas devem capturar a cientista que desenvolveu o detector de Vibranium e entrega-la para Talokan.
Bom, é realmente de se esperar que a CIA, a maior e mais famosa agência de inteligência e espionagem do mundo, iria utilizar o único detector de Vibranium disponível no planeta sem ter em mãos as plantas técnicas para replicá-lo em um futuro próximo. Quero deixar claro que estou sendo irônico.
Sequestrar a cientista não significaria nada se toda e qualquer prova da existência desse maquinário não pudesse ser destruída no processo. Lazy Writing. E fica aqui uma questão pertinente: Como Namor soube da existência dessa cientista? Nada que vemos na telona indica que a capital Talokan e todo o reino de Namor seja altamente tecnológico, como Wakanda.
Shuri e Okoye partem em busca da cientista.
Conhecemos Riri Williams, a Coração de Ferro. Mais um jovem gênio da Marvel, conceito que vem perdendo força, e mais uma personagem introduzida ao MCU de forma superficial, como Kate Bishop (Gavião Arqueiro), Yelena Belova (Viúva Negra) e Skaar (Mulher-Hulk).
Um amontoado de personagens derivados criados apenas com o intuito de preencher o vazio deixado por Homem de Ferro, Gavião Arqueiro, Viúva Negra e Hulk, que estão mortos ou prestes a se aposentar no MCU.
Esse é outro conceito que me desagrada nos quadrinhos de super-heróis e que agora vemos materializado no cinema. Personagens derivados. Você sabia que existe uma Lady Deadpool? Já parou para pensar quantos personagens derivados de Batman tem por aí? Fica difícil acompanhar e, principalmente, se interessar.
Divago.
Riri Williams e Shuri são levadas pelos talokanos e nesse momento conhecemos Talokan, capital da civilização submersa governada por Namor.
Namor abre o jogo com Shuri e diz que quer declarar guerra contra todas as nações da superfície, atacando antes de ser atacado, e pede a ajuda de Wakanda. Sério mesmo? Fica difícil engolir essa pílula. Existe alguma motivação mais clichê do que essa?
Ambas são resgatadas por Nakia, mas não sem casualidades. Namor invade Wakanda e mata Ramonda em retaliação, dando uma semana para Shuri, a nova rainha, ponderar a proposta de aliança. Depois disso o resto é história, preparação e batalha final.
Shuri usa o colar da mãe de Namor para refazer a Erva Coração e se tornar o Pantera Negra.
Vamos analisar isso por uma perspectiva razoavelmente realista.
Se déssemos a Erva Coração a Elon Musk e ele aceitasse pisar em um octógono para uma luta de vida ou morte contra um Anderson Silva mutante com 452 anos de experiência em combates, qual seria o resultado? Ele seria massacrado. Shuri é uma cientista, alheia aos costumes e tradições de Wakanda, isso fica claro.
Alguém pode argumentar que ela vence Namor usando a inteligência, sim, ela usa. Mas nada explica suas habilidades marciais magicamente adquiridas. Letitia Wright tenta, mas não tem o que é necessário para segurar o protagonismo do filme, e a Marvel sabe disso.
Riri Williams, a Coração de Ferro, cria sua armadura. Há uma tentativa de emular o método rústico que Tony Stark usa para criar sua primeira armadura, mas não passa de um esforço patético de trazer à tona alguma nostalgia em nossos corações e de inserir 1% de profundidade a uma personagem irrelevante. No final das contas, a armadura é construída com a alta tecnologia de Wakanda.
Sinto aqui uma obrigação imposta por Kevin Feige, presidente da Marvel Studios. A participação de Coração de Ferro na trama é desnecessária, assim como a participação de Everett Ross, que não leva a lugar algum.
Somos coroados com uma batalha final vergonhosa. Shuri decide levar a luta até o inimigo, isso significa colocar ela e seu exército de 2 dúzias de Wakandanos em um navio gigante no meio do oceano contra um inimigo que tem a água como seu habitat natural. Onde estão as centenas de naves e de soldados de Wakanda que já vimos nas telas do cinema? Nunca saberemos.
Provavelmente foram cortadas do orçamento, assim como a qualidade dos efeitos visuais da batalha. Somos afogados por um mar de Chroma key. Quando você começa a perceber os bastidores da obra, a imersão vai embora e não volta mais.
Não posso deixar de dar crédito à produção por seus esforços no sentido de traduzir as diversas culturas existentes no continente africano para esse contexto afro-futurista de Wakanda.
Griô, a inteligência artificial de Shuri, é uma clara referência aos griôs, indivíduos que tem por vocação preservar e transmitir histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo na África Ocidental. Até mesmo a nave que transporta o corpo de T’Challa tem um visual que lembra muito as tradicionais máscaras africanas. Isso está lá, é palpável e tem seu mérito e seu lugar em nossa sociedade que busca cada vez mais a inclusão. Talokan é outro grande exemplo, transportando a cultura e a diversidade racial mesoamericana para o cinema.
No final temos a deixa de que M’Baku será o novo Pantera Negra e que mais adiante teremos o filho de T’Challa assumindo o manto do pai. Nem mesmo a Marvel confiou na personificação do Pantera Negra de Letitia Wright. A esta altura eu já estava cansado. Posso estar contaminado com o peso das dezenas de produções enfadonhas da última fase da Marvel e com o desgaste da formula dos filmes do MCU, mas o fato é que PNWPS não despertou nenhum tipo de sentimento em mim.
Pantera Negra: Wakanda para Sempre, assim como Avatar: O Caminho da Água, é um show de efeitos visuais e conceitos interessantes, mas se você tentar mergulhar para ver sua profundidade, irá perceber que a água ainda está na altura do joelho.