Crítica: 2001 Uma Odisséia no Espaço

O filme que pavimentou as bases do gênero de ficção científica no cinema

5/5
Oz
Data de publicação.
11/01/2023
3 min
Este conteúdo está sujeito à opinião do autor.
Opinião
Contém Spoiler

Sem sombra de dúvidas, criticar 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey), filme de 1968 dirigido por Stanley Kubrick é uma tarefa difícil.

Esta grande obra me foi apresentada muito tardiamente, e, como todo cinéfilo acostumado com os maravilhosos blockbusters hollywoodianos, o primeiro sentimento ao assisti-la foi de estranheza. É definitivamente um filme diferente e relativamente difícil de digerir.

A obra, roteirizada por Kubrick e por Sir. Arthur C. Clarke, famoso escritor e inventor britânico, possui um ritmo moroso que desafia a capacidade de manter a atenção do espectador durante todos os seus 141 minutos de duração.

Faz-se necessário, ao assistir o filme, pôr-se no lugar do espectador que estava sentado na poltrona do cinema no ano de 1968. Um grande exercício de criatividade e imaginação. Para se ter uma idéia, Star Wars, uma das maiores franquias do cinema, só seria lançado em 1977, 9 anos depois.

Kubrick inicia seu filme, um dos mais aclamados por diversos diretores do gênero na atualidade, há milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais, ainda primatas, alimentavam-se de arbustos e vegetações comuns na região semi desértica em que viviam.

O elemento que introduz no filme a percepção de que estamos prestes a ser apresentados a algo muito maior do que nós mesmos se materializa na forma de um grande monolito negro. Sua presença é notada pelos primatas que primeiramente encaram o objeto como uma ameaça para posteriormente se aproximarem dele, tocando-o.

Ao invés de representar uma forma de vida alienígena típica dos filmes da época (utilizando atores e fantasias), Kubrick e Clarke optaram por esta forma menos literal de representação. Como Kubrick uma vez disse: “Não se pode ver a face de Deus”.

Interessante mencionar que a entidade alienígena era originalmente uma tela transparente na qual imagens seriam transmitidas. Eventualmente a idéia foi abandonada devido a sua “ingenuidade”, de acordo com o próprio Clarke. Hoje essa idéia descartada por Kubrick é amplamente utilizada no gênero sci-fi.

O Monolito é, em essência, uma espécie de máquina de aprendizado. Ao tocá-lo, os primatas foram afetados por ele e seus cérebros sofreram algum tipo de transformação.

Após este episódio, um dos primatas, conhecido pela equipe de Kubrick como Moon-Watcher (Daniel Richter), percebe que poderia utilizar os ossos dos animais mortos como ferramenta, passando então a abater inimigos e animais.

Há aqui uma processo de consciência e raciocínio lógico implícito realizado pelos primatas cujo resultado é a percepção de que existe uma outra opção de alimentação para seu grupo: a caça. E é exatamente disso que o filme trata. De evolução. Mais precisamente da nossa evolução.

A cena em que Moon-Watcher é movido pela curiosidade e passa a manipular o osso, batendo-o no solo ao som de Also Sprach Zarathustra de Richard Strauss é emblemática e grandiosa, marcando este importante momento da evolução da humanidade. Densa e contemplativa, sua subjetividade e suas implicações filosóficas e morais transcendem a barreira da sétima arte.

2001: Uma Odisséia no Espaço é uma obra dividida em três partes: A Aurora do Homem, AMT-1 e Missão Júpiter. A transição entre a primeira etapa e a segunda se dá quando Moon-Watcher arremessa seu osso para cima. Há um salto temporal de quatro milhões de anos que nos leva a um satélite no espaço, mostrando mais um estágio da nossa evolução: a conquista do espaço.

Engraçado que, segundo Clarke, a idéia desta elegante transição surgiu de uma forma inusitada: certo dia Kubrick voltava para o estúdio enquanto jogava repetidamente uma vassoura no ar.

The Sentinel é o nome do romance escrito por Clarke e que inspirou a criação de 2001. Ele conta a história da descoberta de um artefato deixado na Lua por outra civilização há milhões de anos. A segunda parte da obra cinematográfica de Kubrick se baseia inteiramente no romance.

Esta etapa mostra o Dr. Heywood R. Floyd, viajando em um ônibus espacial da Pan Am e seguindo em direção de uma estação espacial que orbita a Terra para utilizá-la como entreposto para seu verdadeiro destino: a base Clavius localizada na superfície lunar.

Kubrick, imbuído da responsabilidade de criar um filme único, trouxe à sua equipe um consultor científico (Fred Ordway) que ficou encarregado de tornar realistas e legítimos todos os elementos tecnológicos do filme. Todos os conceitos científicos da obra passaram pelo crivo de Ordway, que não decepcionou.

Chamadas telefônicas com vídeo, programas multilíngües, identificação biométrica, alimentos processados de forma compacta, gravidade zero, estações espaciais, capacetes com ativação de proteção solar e muitos outros conceitos científicos são muito bem explorados no filme. A espaçonave que transporta o Dr. Floyd à Lua tem até trem de pouso com sistema de amortecimento!

Floyd visita a Lua com o propósito de investigar a descoberta de um monolito negro inerte escavado a 15 metros de profundidade perto da cratera Tycho. Ao encontrá-lo, uma poderosa emissão de rádio emana do artefato. Sua descoberta sinaliza a constatação da existência de outros seres inteligentes no universo.

A terceira parte do filme começa logo após este episódio, depois de um salto temporal de 18 meses. Estamos à bordo da Discovery One, uma nave espacial enviada à Júpiter com uma tripulação de cinco pessoas cujo comandante é o Dr. David Bowman.

Em 1968, muitas das técnicas de filmagem, efeitos especiais e edição atuais não existiam, o que pode ser constatado, por exemplo, quando a Discovery One navega pelo espaço. Em sua parte traseira, alguns painéis com sulcos paralelos apresentam um padrão de interferência visual muito conhecido hoje em dia por cineastras e profissionais de TV: o moiré. A trilha sonora, utilizada para dar ritmo às cenas que não possuem diálogos, por exemplo, apresenta um volume muito mais alto que os diálogos dos atores, causando um certo desconforto. Ainda assim, a excelência com a qual Kubrick e sua equipe executaram o filme é indiscutível.

Além do Oscar de Melhores Efeitos Visuais em 1969, 2001: Uma Odisséia no Espaço foi vencedor de diversos prêmios: Saturn Award (Best DVD Collection), BAFTA Film Award (Best Art Direction, Best Cinematography e Best Sound Track), CEC Award (Best Foreign Film), David di Donatello Awards (Best Foreign Production), Hugo Awards (Best Dramatic Presentation), KCFCC Award (Best Director, Best Film), Laurel Awards (Road Show) e NBR Award (Top Ten Films).

A espaçonave é controlada por Hal 9000, um computador que mimetiza as atividades do cérebro humano, em outras palavras, uma inteligência artificial. Neste ponto percebe-se mais um importante estágio da evolução da humanidade: a criação artificial e racional da vida. Podemos agora considerarmo-nos deuses?  Kubrick criou um mito, que mais de quarenta anos depois de sua criação ainda é atual e instigante.

Um dos conceitos mais interessantes do filme abrange o sentimento e o desejo de Hal 9000 de se auto preservar quando percebe que pode ser desligado, levando-o a cometer assassinato. Hal 9000 demonstra ter sentimentos como o medo ao se defrontar com a possibilidade de sua “morte”.

Mais uma vez, assim como seus ancestrais primatas, Dr. David Bowman, único sobrevivente da Discovery One, deverá matar para sobreviver. Um paralelo muito inteligente entre as duas primeiras etapas do filme.

O derradeiro estágio da evolução humana se dá com o renascimento de Bowman como uma criança envolta por uma bolha diante do universo. Ele flutua em frente a Terra, contemplando-a. Pode-se teorizar que ela simboliza os primeiros passos da humanidade rumo a uma comunidade cósmica, a conhecimentos e possibilidades inimagináveis e ao futuro.

2001: Uma Odisséia no Espaço narra a trajetória da raça humana através dos olhos de Stanley Kubrick e é sem dúvida a mais importante e significativa epopéia do gênero de ficção científica já contada pelo cinema.

Vocabulário
Termo bastante utilizado na indústria do cinema para designar filmes com narrativa e escala de produção exorbitantes, geralmente direcionados a um grande público e cujo rendimento seja igualmente gigantesco. Alguns exemplos de blockbusters: Transformers, Star Wars, Piratas do Caribe e Senhor dos Anéis.
Pessoa que gosta de cinema e de tudo o que se relaciona com a sétima arte.
Designação de origem grega para o gênero literário também chamado poesia épica ou poesia heróica, que denota um texto poético, predominantemente narrativo, dedicado a fenômenos históricos, lendários ou míticos considerados representativos duma cultura.
Lê-se “muarê”. O chamado efeito moiré é uma interferência gerada quando tentamos visualizar – numa televisão, por exemplo – um padrão através de outro. Numa televisão, as imagens são formadas por pixels, que nada mais são do que um padrão de pontos (pixel), alinhadas em linhas e colunas. Quando uma imagem de um padrão repetitivo é mostrado numa televisão, há uma interferência entre o padrão visualizado e o padrão de pixels, o que gera um terceiro padrão indesejado, isto traduz-se na redução da qualidade da imagem e conseqüente fadiga visual para o utilizador. Padrões de moiré são comumente vistos direto nas telas de televisão quando uma pessoa está vestindo uma camisa ou jaqueta de tecido listrado, devido a problemas de amostragem na câmara de televisão. Como a pessoa se move, o padrão de Moiré é bastante perceptível. Devido a isso, repórteres e outros profissionais que aparecem regularmente na televisão são instruídos a evitar roupas que poderiam causar o efeito, mais comumente conhecido como “ efeito de batimento”. Por esta razão, é sempre evitado o uso de objetos e roupas com padrões de riscas ou desenhos pequenos repetidos em televisão.
Relativo ao gênero ficção ciêntífica. Ficção científica é uma forma de ficção desenvolvida no século XIX, que lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos. O termo é usado, de forma mais geral, para definir qualquer fantasia literária que inclua o factor ciência como componente essencial, e num sentido ainda mais geral, para referenciar qualquer tipo de fantasia literária. Em inglês o termo ficção científica é às vezes abreviado para sci-fi ou SF.
Galeria de imagens
Notícias
Críticas
28/07/2024